quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Livr@


Como sempre, atrasada. Não que tivesse planeado mal o tempo ou que tivesse surgido algum imprevisto. Apenas um atraso, sempre o seu atraso, ditado pelo seu desprendimento com o relógio, a constante quebra com o que é convencional.
Um grupo de amigos aguardava-a na porta da livraria. Lá dentro, preparavam-se os últimos retoques para o lançamento de mais um livro, desta vez num formato diferente. Tratava-se de uma colectânea de poemas e textos dos mais diversos escritores da actualidade.
Ela tardava em chegar. Só pensava em ter que cumprimentar toda aquela gente, suportar aquele ambiente repleto de intelectuais, sorrir mesmo que não lhe apetecesse, mostrar interesse em coisas que não interessavam e ter que assumir também ela o seu papel de intelectual num meio que também era o seu.
Às vezes, tantas as vezes, deixava adormecer a intelectual que existia em si, não fossem palavras como sintaxe, semântica, pragmática, análise de discurso, crítica textual, filologia, etc... chamá-la de novo ao seu mundo. Agia como se vivesse em mundos paralelos, tal como os círculos no Google+. A diferença residia na sua total flexibilidade e capacidade de se movimentar entre círculos diferentes. Letras de um lado, números de outro, alfabetos de todas as mais diversas origens, sistemas binários, gramáticas, C#, VB, ASP.net... Tudo o que carregava na bagagem.
Contorna a esquina, avista a livraria e os seus amigos. Respira fundo, desliga o telemóvel e começa a distribuir beijinhos e abraços.
Quando deu por si já estava de Margarita na mão. Entrou na livraria e cumprimentou mais algumas pessoas, pousou a mala e o casaco e sentou-se no chão. Seguiu-se Sassetti ao piano. Mais uma Margarita, mais uns sorrisos. Estava a chegar a hora dos discursos e da apresentação do livro. Saiu para fumar um cigarro, um dos seus cigarros. Foi sozinha, como sempre, como se fosse um percurso que tivesse que ser feito de forma solitária. Senta-se no passeio, enrola o cigarro, acende o cigarro e pousa o copo, já vazio.
- Olá, boa noite!
- Olá. - responde sem olhar.
- Posso trazer-lhe uma Margarita?
- Como sabe que bebo Marg...? - E desta vez tento responder também ao olhar, meio curiosa. Reparo que já tem uma Margarita na mão, tremo quando vejo quem é. Não pode ser, não estou a ver bem, sinto-me a alucinar. Sabia que vinha como escritora convidada e que possuía um texto na colectânea, mas... Uou... nem quero acreditar!
- Tenho-a observado desde que chegou. Vou buscar uma para mim e faço-lhe companhia. - responde-me serenamente.

Fico sem reacção, rendida ao seu encanto, a todo o seu charme. Era mais bonita do que pensei. Bebemos uma Margarita, mais outra, mais outra... Fumámos mais uns cigarros, e assim passou o lançamento do livro. Esqueci-me com quem tinha ido, esqueci-me do que lá tinha ido fazer. Ela também.
Entrámos na livraria para irmos buscar as nossas coisas. Fomos para casa... juntas. Falámos sobre literatura durante horas, durante dias, durante semanas, meses talvez...

Ecoa o Sassetti de encontro ao travo do sal da Margarita, sempre que se segura num livro escrito por ELA.

Sem comentários: