quinta-feira, 27 de outubro de 2011

"Como eu não possuo."

Mário Sá Carneiro

"COMO EU NÃO POSSUO
Olho em volta de mim. Todos possuem— Um afecto, um sorriso ou um abraço. Só para mim as ansias se diluem E não possuo mesmo quando enlaço. Roça por mim, em longe, a teoria Dos espasmos golfados ruivamente; São extases da côr que eu fremiria, Mas a minh'alma pára e não os sente! Quero sentir. Não sei… perco-me todo… Não posso afeiçoar-me nem ser eu: Falta-me egoismo pra ascender ao ceu, Falta-me unção pra me afundar no lodo. Não sou amigo de ninguem. Pra o ser Forçoso me era antes possuir Quem eu estimasse—ou homem ou mulher, E eu não logro nunca possuir!… Castrado d'alma e sem saber fixar-me, Tarde a tarde na minha dôr me afundo… —Serei um emigrado doutro mundo Que nem na minha dôr posso encontrar-me?… * * * * * Como eu desejo a que ali vai na rua, Tão agil, tão agreste, tão de amor… Como eu quisera emmaranha-la nua, Bebê-la em espasmos d'harmonia e côr!… Desejo errado… Se a tivera um dia, Toda sem véus, a carne estilisada Sob o meu corpo arfando transbordada, Nem mesmo assim—ó ansia!—eu a teria… Eu vibraria só agonisante Sobre o seu corpo d'extases dourados, Se fosse aqueles seios transtornados, Se fosse aquele sexo aglutinante… De embate ao meu amor todo me rúo, E vejo-me em destroço até vencendo: É que eu teria só, sentindo e sendo Aquilo que estrebucho e não possuo.

Paris—Maio 1913 "

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