Mário Sá Carneiro
"COMO EU NÃO POSSUO
Olho em volta de mim. Todos possuem—
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ansias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.
Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São extases da côr que eu fremiria,
Mas a minh'alma pára e não os sente!
Quero sentir. Não sei… perco-me todo…
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoismo pra ascender ao ceu,
Falta-me unção pra me afundar no lodo.
Não sou amigo de ninguem. Pra o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse—ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!…
Castrado d'alma e sem saber fixar-me,
Tarde a tarde na minha dôr me afundo…
—Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dôr posso encontrar-me?…
* * * * *
Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão agil, tão agreste, tão de amor…
Como eu quisera emmaranha-la nua,
Bebê-la em espasmos d'harmonia e côr!…
Desejo errado… Se a tivera um dia,
Toda sem véus, a carne estilisada
Sob o meu corpo arfando transbordada,
Nem mesmo assim—ó ansia!—eu a teria…
Eu vibraria só agonisante
Sobre o seu corpo d'extases dourados,
Se fosse aqueles seios transtornados,
Se fosse aquele sexo aglutinante…
De embate ao meu amor todo me rúo,
E vejo-me em destroço até vencendo:
É que eu teria só, sentindo e sendo
Aquilo que estrebucho e não possuo.
Paris—Maio 1913 "
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